terça-feira, 8 de março de 2011

Estudantes brasileiros são os que têm menos livros em casa, aponta pesquisa.

    Levantamento baseado nos dados do Pisa mostra que 39% dos estudantes do País
    possuem no máximo dez obras literárias e apenas 1,9% é dono de mais de 200
    volumes; baixa escolaridade dos pais e situação socioeconômica ruim são
    motivos
    06 de março de 2011 | 0h 00
    Mariana Mandelli - O Estado de S.Paulo

    Imagine uma sala com prateleiras e estantes repletas de livros de todos os
    tipos: romances, poesias, crônicas, contos, ensaios, dicionários e
    enciclopédias. No centro, uma mesa de estudos, onde um aluno faz sua lição
    de casa. Nos lares brasileiros, essa cena ainda é rara: somos o país onde as
    crianças têm menos livros em casa. É o que mostra um levantamento inédito do
    Movimento Todos Pela Educação, com base no Programa Internacional de
    Avaliação de Alunos (Pisa) de 2010, que analisou 65 países. Cerca de 39% dos
    estudantes brasileiros declararam possuir, no máximo, dez obras literárias.
    [image: Tiago Queiroz/AE]
    Tiago Queiroz/AE
    Hábito. Michelle la Marck, de 14 anos, foge dos resumos e busca sempre a
    íntegra das obras; ela recebeu na escola um certificado de quem alugou mais
    livros

    A pesquisa mostra ainda que jovens que convivem com livros em casa
    apresentaram um desempenho melhor nas provas do programa (leia mais nesta
    página).

    O índice brasileiro é pior que o de estudantes de outros países
    latino-americanos, como Argentina, México e Colômbia. Entre os que afirmam
    ter mais de 200 livros, estamos em penúltimo lugar (1,9%), perdendo apenas
    para a Tunísia (1,7%). Na frente estão, por exemplo, Coreia (22,2%),
    Islândia (20,32%) e Liechtenstein (20,48%).

    A posição sofrível do Brasil no ranking, segundo especialistas em educação,
    revela um retrato social e cultural do País. "A quantidade de livros em casa
    está intimamente ligada ao nível socioeconômico da família e à escolaridade
    dos pais", explica Priscila Cruz, diretora executiva do Todos Pela Educação.

    O acesso ao livro, diz ela, também está ligado ao custo. "Obras literárias
    são artigo de luxo por aqui. Além disso, enquanto a alfabetização ainda for
    precária, não tem como a criança encarar o livro como uma ferramenta. Ela é
    o direito elementar à educação de qualquer indivíduo."

    Christine Fontelles, diretora de educação e cultura do Instituto Ecofuturo,
    organização não governamental que apoia projetos de educação, afirma que o
    Brasil precisa criar uma cultura de leitura. "Nós não nascemos leitores.
    Isso começa na família e só depois se estende para a escola. E esse hábito
    ainda é ausente no País", explica. Segundo ela, as crianças devem ser
    preparadas desde a primeira infância. "O desafio de estimular a ler não pode
    ser entregue à escola."

    Educadores são praticamente unânimes em afirmar que crescer em uma família
    "letrada" é determinante para desenvolver o prazer pela escrita.

    "O maior obstáculo é trabalhar o mediador de leitura, que pode ser o
    professor ou os pais, para que ele "venda" bem a ideia de ler para a
    criança", afirma Marina Carvalho, coordenadora de projetos da Fundação
    Educar. "Só assim se cria o hábito."

    A última pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Livro,
    mostrou que quem mais influencia o leitor no gosto pelos livros é a mãe,
    segundo 49% das pessoas. Em seguida, vem a professora, com 33%, e o pai, com
    30%.

    "A família se mostra como uma "escola de formação do leitor"", diz Zoara
    Failla, gerente de projetos da entidade. "Em sala de aula, muitas vezes não
    se desperta o interesse pelo livro como arte. Ele é apenas mais uma tarefa."
    Segundo ela, a importância que os pais dão ao livro é determinante para a
    criança. "Porque esse é o ambiente de formação dos primeiros valores dela",
    conclui.

    Ilan Brenman, autor de livros infantis e pesquisador em educação, questiona
    essa relação em algumas famílias. "Alguns pais de classe média reclamam do
    preço do livro, mas compram consoles de videogame e celulares caríssimos
    para os filhos. Qual o valor então que eles dão para a educação?"

    Costume. Na casa de Michelle la Marck, de 14 anos, que tem mais de 500
    volumes em casa, o convívio com livros desde o berço fez com que a garota
    desenvolvesse o hábito pela leitura - sua mãe também gosta muito de ler. A
    influência foi tanta que, aos 9 anos, ela ganhou, no colégio Santa Maria,
    onde ainda é aluna, o certificado de quem mais alugou livros na biblioteca.
    "Foram mais de 300 para 200 dias letivos. E li a maioria", lembra.

    Ela lê até 25 livros por ano e diz nunca optar pelo resumo quando a escola
    pede alguma obra - como por exemplo A Metamorfose, de Franz Kafka, que está
    lendo agora. "Sempre que pesquiso na internet tenho um livro no colo para
    conferir as informações, tomando o cuidado de ver se está atualizado",
    conta.

    Sabrina de Oliveira, de 17 anos, lê até dois livros por mês - sem contar os
    propostos pelo colégio Santo Américo, onde estuda. "Gosto de ler mais de um
    ao mesmo tempo, e de gêneros diferentes, como um romance e uma peça de
    teatro, por exemplo", diz ela, que leu diversas obras de William
    Shakespeare.

    Tanto Michelle quanto Sabrina têm notas altas na escola, confirmando a
    tendência detectada na pesquisa.

    *PARA ENTENDER*

    *Pisa permite comparar países
    *
    O principal objetivo do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa)
    é apresentar indicadores educacionais que possam ser comparados entre
    países, mostrando, assim, a eficiência dos sistemas nacionais.

    As avaliações são feitas a cada três anos, com provas de leitura, matemática
    e ciências. A cada edição, uma das áreas é enfatizada - na última foi
    leitura e o exame incluiu, pela primeira vez, textos online.

    Fazem as provas alunos de 15 anos dos 34 países da Organização para
    Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e de mais 31 convidados.

domingo, 10 de outubro de 2010

Quem ganha com a "guerra cambial", e a panacéia Keynesiana

Rodrigo Constantino
07/10/2010

Era uma vez o tempo em que uma moeda forte era considerada algo positivo, indicando a solidez da economia. No mundo keynesiano em que vivemos, onde austeridade fiscal virou palavrão, tudo isso mudou. A saída "milagrosa" para todos os problemas agora é desvalorizar a moeda.

Por trás dessa receita, pregada por tantos "gurus" que falharam em prever a crise recente, jaz certo ranço mercantilista: a ideia de que exportar é saudável, mas importar é indesejável para uma nação. Basta refletir um pouco mais sobre a ideia para enxergar seu absurdo. Se isso fosse verdade, então seria verdade para cada estado da nação também, e o saldo comercial teria que ser positivo para todos. A conta não fecha!

A verdade é que os governos não querem fazer as reformas necessárias que aumentariam a competitividade de suas economias. Flexibilizar leis trabalhistas, reduzir gastos públicos e impostos, reformar a previdência, enfim, medidas "impopulares" num primeiro momento, mas que colocariam suas economias numa trajetória sustentável de crescimento.

Os atalhos para ganhos de produtividade costumam acabar mal, assim como os atalhos para emagrecer: a receita saudável é fechar a boca e fazer exercícios. Mas existem aqueles que preferem apelar para caminhos alternativos, mais fáceis e com resultado imediato. Sabemos como acabam.

O mesmo se passa com a "guerra cambial", uma batalha em que "vence" o mais fraco, e não o mais forte. Aquele que conseguir prejudicar mais a credibilidade de sua moeda canta a vitória. Ninguém quer encarar a ressaca necessária para ajustar o organismo após o estouro da bolha de crédito. Preferem "curar" a ressaca com mais liquidez, mantendo o clima de euforia artificial. Se o veneno foi o excesso de liquidez e crédito, então vamos injetar mais veneno ainda!

Claro que não vai dar certo. Se a desvalorização da moeda fosse solução para alguma coisa, então o Zimbábue seria a nova potência mundial. Estão apenas empurrando o problema com a barriga, jogando para frente os ajustes necessários, que também serão mais dolorosos. Após rodadas de trilhões de dólares não surtirem o efeito desejado, esperam que mais estímulos ainda resolvam os problemas estruturais. Trata-se de uma doce ilusão.

Mas há um detalhe: o "timing" para os novos problemas criados pelos estímulos é bastante incerto. Teoria alguma pode fornecer uma previsão acurada de algo dessa natureza. Acertar o rumo dos eventos e errar o momento pode ser fatal. Eis o que torna o mercado financeiro tão fascinante. Os "profetas" muitas vezes acertam a trajetória de longo prazo, mas não conseguem ganhar dinheiro com sua previsão, pois são aniquilados no processo. É mais fácil falar do que fazer.

A montanha de dinheiro criada do nada pelos bancos centrais precisa ir para algum ativo. Até agora, os títulos do governo americano têm atraído a maior parcela desse dinheiro, mesmo rendendo ao investidor apenas 2,5% ao ano para os próximos 10 anos. Mas à medida que os investidores notem que os governos não vão parar de inflar suas moedas, a inflação passa a ser um fator maior de preocupação. O dinheiro começa a arder parado nas mãos. É nesse momento que novas bolhas são criadas.

Existem dois claros candidatos a bolhas: o ouro e os mercados emergentes. O ouro disparou, e já vale mais de US$ 1.300 a onça. Há apenas cinco anos ele valia menos de US$ 500. Será que já estamos vendo uma bolha na "relíquia bárbara"? Difícil saber. Mas enquanto todos os principais governos tentarem bater em suas moedas, expandindo sua oferta de forma descontrolada, parece natural que o metal, com oferta limitada pela natureza, torne-se um alvo daqueles que desejam preservar seu poder de compra.

Os mercados emergentes são outro claro candidato para uma bolha. Com a alta das commodities, puxada pela desvalorização do dólar, e com o crescimento chinês, esses mercados representam um refúgio natural para investidores que desejam algum retorno positivo. O governo brasileiro chegou a aumentar o IOF para a entrada de capital estrangeiro, justamente preocupado com isso. Mas quando vem a boiada, medidas paliativas são ineficazes. O dólar já vale menos de R$ 1,70 e o Ibovespa já passou da barreira dos 70 mil pontos.

A onda pode continuar por algum tempo. Há dinheiro demais sendo jogado nos mercados. Mas todo cuidado é pouco na hora de surfar tal onda. Ela é artificial e insustentável. Bolhas inevitavelmente estouram. Não será diferente desta vez, ainda que possa levar um bom tempo para isso.

Rodrigo Constantino é economista e gestor de recursos

Mundo assume e escancara ‘guerra cambial internacional’

6 de outubro de 2010 | 17h42

Sílvio Guedes Crespo

Depois que o ministro da Fazenda do Brasil, Guido Mantega, quebrou o gelo, países chave da economia mundial parecem se sentir cada vez menos culpados em usar Estado para enfraquecer suas moedas, porque agora a culpa é sempre dos outros.

Mantega afirmou na semana passada que o mundo está vivendo uma “guerra cambial internacional”. No dia seguinte, a frase do ministro foi manchete (principal notícia do dia, no jargão jornalístico) do “Financial Times”. Um comentarista do mesmo jornal disse que a “guerra cambial” já existia, mas ninguém queria admitir.

Guerra escancarada

Agora, no entanto, essa batalha está se tornando escancarada e a expressão “guerra cambial” está na pauta do dia da imprensa e da política internacional. “Quando as maiores economias com taxa de câmbio subvalorizada impedem suas moedas de se apreciarem, isso incentiva outros países a fazer o mesmo”, disse o secretário do Tesouro dos EUA, Timothy Gheitner, conforme registrou o “Wall Street Journal”. Ou seja, se o outro pode, eu posso.

O site da Nasdaq, a bolsa de valores dos EUA que reúne empresas de tecnologia, afirma que o dólar cai devido à intensificação da “guerra cambial”. Martin Wolf, colunista do “Financial Times”, publicou hoje um artigo com o título: “Como lutar contra a China na guerra cambial”.

Medidas contra dólares

Com o discurso de defesa do câmbio flutuante, o Brasil dobrou a alíquota do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) para tentar reduzir o ritmo de entrada de dólares no País, permitiu que o Fundo Soberano compre a moeda americana (para evitar que ela inunde o mercado) e ampliou para US$ 9 bilhões o poder de o Tesouro Nacional comprar o dinheiro que vem de fora.

O Japão reduziu a zero sua taxa de juros, desincentivando a entrada de capital estrangeiro e lançou um programa de compra de ativos que ajuda a depreciar o iene. O banco central da Suíça desde julho gastou mais de 14 bilhões de francos suíços na compra para comprar dólares, informou o “Financial Times”. A Austrália também reduziu sua taxa de juros, e a Coreia do Sul aumentou a supervisão estatal sobre o mercado, noticiou o “Wall Street Journal”.

Enxurrada de dinheiro

Enquanto isso, os EUA continuam inundando o mundo com dólares. Segundo o site Forex Crunch, o país já imprimiu US$ 1,75 trilhão desde março de 2009. O país que gerou a crise financeira internacional está com uma taxa de desemprego que é a terceira maior desde 1948, para meses de agosto, como mostra um gráfico do “Wall Street Journal”.

O déficit nas contas públicas dos EUA aumentou de cerca de US$ 200 bilhões em agosto de 2007 para US$ 1,3 trilhão neste ano, aponta o site Briefing.com. Isso significa que sextuplicou a quantidade de dólares de que o governo norte-americano necessita imprimir ou tomar emprestados para pagar suas contas.

Esse dinheiro não fica inteiramente dentro dos EUA. Ao contrário, grande parte sai de lá. O déficit da balança comercial vem aumentando desde maio de 2009, quando estava em menos de US$ 30 bilhões e agora está em mais de US$ 40 bilhões, ainda segundo o Briefing.com.

Capital dribla IOF

Parece até que ninguém mais aguenta tanto dinheiro americano circulando por aí. Mas não é o caso. Países como o Brasil precisam de poupança externa para financiar o seu desenvolvimento. A dificuldade é direcionar esse dinheiro para investimento de longo prazo.

O governo taxou com IOF de 4% apenas o capital estrangeiro que vai para o mercado financeiro. Mas nada impede que as empresas enviem para cá o seu dinheiro na forma de investimento estrangeiro direto, que paga 2% de IOF, e depois o apliquem no mercado financeiro. O resultado é que entram dólares, o real sobe, e esse dinheiro não paga parte das grandes obras de infraestrutura de que o País necessita.