Levantamento baseado nos dados do Pisa mostra que 39% dos estudantes do País
possuem no máximo dez obras literárias e apenas 1,9% é dono de mais de 200
volumes; baixa escolaridade dos pais e situação socioeconômica ruim são
motivos
06 de março de 2011 | 0h 00
Mariana Mandelli - O Estado de S.Paulo
Imagine uma sala com prateleiras e estantes repletas de livros de todos os
tipos: romances, poesias, crônicas, contos, ensaios, dicionários e
enciclopédias. No centro, uma mesa de estudos, onde um aluno faz sua lição
de casa. Nos lares brasileiros, essa cena ainda é rara: somos o país onde as
crianças têm menos livros em casa. É o que mostra um levantamento inédito do
Movimento Todos Pela Educação, com base no Programa Internacional de
Avaliação de Alunos (Pisa) de 2010, que analisou 65 países. Cerca de 39% dos
estudantes brasileiros declararam possuir, no máximo, dez obras literárias.
[image: Tiago Queiroz/AE]
Tiago Queiroz/AE
Hábito. Michelle la Marck, de 14 anos, foge dos resumos e busca sempre a
íntegra das obras; ela recebeu na escola um certificado de quem alugou mais
livros
A pesquisa mostra ainda que jovens que convivem com livros em casa
apresentaram um desempenho melhor nas provas do programa (leia mais nesta
página).
O índice brasileiro é pior que o de estudantes de outros países
latino-americanos, como Argentina, México e Colômbia. Entre os que afirmam
ter mais de 200 livros, estamos em penúltimo lugar (1,9%), perdendo apenas
para a Tunísia (1,7%). Na frente estão, por exemplo, Coreia (22,2%),
Islândia (20,32%) e Liechtenstein (20,48%).
A posição sofrível do Brasil no ranking, segundo especialistas em educação,
revela um retrato social e cultural do País. "A quantidade de livros em casa
está intimamente ligada ao nível socioeconômico da família e à escolaridade
dos pais", explica Priscila Cruz, diretora executiva do Todos Pela Educação.
O acesso ao livro, diz ela, também está ligado ao custo. "Obras literárias
são artigo de luxo por aqui. Além disso, enquanto a alfabetização ainda for
precária, não tem como a criança encarar o livro como uma ferramenta. Ela é
o direito elementar à educação de qualquer indivíduo."
Christine Fontelles, diretora de educação e cultura do Instituto Ecofuturo,
organização não governamental que apoia projetos de educação, afirma que o
Brasil precisa criar uma cultura de leitura. "Nós não nascemos leitores.
Isso começa na família e só depois se estende para a escola. E esse hábito
ainda é ausente no País", explica. Segundo ela, as crianças devem ser
preparadas desde a primeira infância. "O desafio de estimular a ler não pode
ser entregue à escola."
Educadores são praticamente unânimes em afirmar que crescer em uma família
"letrada" é determinante para desenvolver o prazer pela escrita.
"O maior obstáculo é trabalhar o mediador de leitura, que pode ser o
professor ou os pais, para que ele "venda" bem a ideia de ler para a
criança", afirma Marina Carvalho, coordenadora de projetos da Fundação
Educar. "Só assim se cria o hábito."
A última pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Livro,
mostrou que quem mais influencia o leitor no gosto pelos livros é a mãe,
segundo 49% das pessoas. Em seguida, vem a professora, com 33%, e o pai, com
30%.
"A família se mostra como uma "escola de formação do leitor"", diz Zoara
Failla, gerente de projetos da entidade. "Em sala de aula, muitas vezes não
se desperta o interesse pelo livro como arte. Ele é apenas mais uma tarefa."
Segundo ela, a importância que os pais dão ao livro é determinante para a
criança. "Porque esse é o ambiente de formação dos primeiros valores dela",
conclui.
Ilan Brenman, autor de livros infantis e pesquisador em educação, questiona
essa relação em algumas famílias. "Alguns pais de classe média reclamam do
preço do livro, mas compram consoles de videogame e celulares caríssimos
para os filhos. Qual o valor então que eles dão para a educação?"
Costume. Na casa de Michelle la Marck, de 14 anos, que tem mais de 500
volumes em casa, o convívio com livros desde o berço fez com que a garota
desenvolvesse o hábito pela leitura - sua mãe também gosta muito de ler. A
influência foi tanta que, aos 9 anos, ela ganhou, no colégio Santa Maria,
onde ainda é aluna, o certificado de quem mais alugou livros na biblioteca.
"Foram mais de 300 para 200 dias letivos. E li a maioria", lembra.
Ela lê até 25 livros por ano e diz nunca optar pelo resumo quando a escola
pede alguma obra - como por exemplo A Metamorfose, de Franz Kafka, que está
lendo agora. "Sempre que pesquiso na internet tenho um livro no colo para
conferir as informações, tomando o cuidado de ver se está atualizado",
conta.
Sabrina de Oliveira, de 17 anos, lê até dois livros por mês - sem contar os
propostos pelo colégio Santo Américo, onde estuda. "Gosto de ler mais de um
ao mesmo tempo, e de gêneros diferentes, como um romance e uma peça de
teatro, por exemplo", diz ela, que leu diversas obras de William
Shakespeare.
Tanto Michelle quanto Sabrina têm notas altas na escola, confirmando a
tendência detectada na pesquisa.
*PARA ENTENDER*
*Pisa permite comparar países
*
O principal objetivo do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa)
é apresentar indicadores educacionais que possam ser comparados entre
países, mostrando, assim, a eficiência dos sistemas nacionais.
As avaliações são feitas a cada três anos, com provas de leitura, matemática
e ciências. A cada edição, uma das áreas é enfatizada - na última foi
leitura e o exame incluiu, pela primeira vez, textos online.
Fazem as provas alunos de 15 anos dos 34 países da Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e de mais 31 convidados.
terça-feira, 8 de março de 2011
Estudantes brasileiros são os que têm menos livros em casa, aponta pesquisa.
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